vamos conversar sobre racismo e saúde mental?
- Adelice Pereira

- 9 de dez. de 2024
- 2 min de leitura
Atualizado: 3 de ago.
“Uma das formas de exercer autonomia é possuir um discurso sobre si mesmo.”
Neusa Santos Souza
Embora já tenham se passado 137 anos desde a abolição da escravatura no Brasil, o racismo – enquanto sistema de dominação, exclusão e violência – segue presente e perpetuando desigualdades estruturais, neste contexto, a Psicologia tem o dever ético de lançar um olhar atento às consequências desse cenário para a saúde mental das pessoas racializadas.
Autores como a psiquiatra brasileira Neusa Santos Souza e o psiquiatra e filosofo francês Frantz Fanon, foram pioneiros ao explorar a relação entre psiquismo e racismo. Seus trabalhos mostram como o racismo estrutural deixa marcas profundas e duradouras na construção da identidade, na autoestima e no bem-estar psíquico da população negra. Essas marcas atravessam gerações, moldando a forma como as pessoas negras se percebem e se relacionam com o mundo. O trauma gerado por essa vivência não é apenas individual, mas também coletivo, e requer uma abordagem terapêutica sensível e comprometida.
Grada Kilomba, em seu livro Memórias da Plantação, reforça a importância de as pessoas negras se apropriarem de suas narrativas, contando suas histórias e elaborando suas dores. Ela afirma: “A questão: ‘O que o racismo fez com você?’ não tem nada a ver com vitimismo, tem a ver com empoderamento, pois precede o momento no qual alguém se torna o sujeito falante, falando de sua própria realidade.”
Kilomba nos lembra que apropriar-se do discurso sobre o impacto do racismo em nossas vidas é um ato de resistência e de “descolonização”. Esse processo promove uma identificação positiva com a negritude, fortalece o autoconhecimento e contribui para o desenvolvimento de um sentimento de segurança interior.
No campo da psicoterapia, é fundamental que o profissional tenha letramento racial, ou seja, capacidade de compreender a complexidade dos fenômenos psíquicos relacionados ao racismo. Profissionais com esse preparo criam espaços de escuta acolhedores, promovendo o fortalecimento da identidade e a valorização da autenticidade de cada pessoa atendida.
Cuidar de si em um contexto social que insiste em desumanizar corpos negros é um ato de resistência e transgressão. Na clínica antirracista, esse cuidado se torna ainda mais significativo: é o espaço onde se constrói não apenas o alívio das dores individuais, mas também a afirmação da dignidade coletiva.


